Equinócio

23 de setembro de 2011, Equinócio da Primavera no Hemisfério Sul. O dia e a noite duram exatamente o mesmo número de horas; o sol incide igualmente sobre os dois hemisférios da Terra. Um momento preciso, um instante astronômico, uma figura única na coreografia que o planeta executa ao redor do Sol. A frase “somos todos iguais sob o sol” consegue adquirir sentido semântico pleno. Contraditos pelos astrônomos e sua busca pela verdade, os místicos surdos da crédula astrologia alegam que a Terra entra sob o signo de Libra…

Há algo que hipnotiza no balé dos astros, algo a que a mente humana é adicta, ainda que nem sempre compreenda. Há fascínio na observação do céu. Os planetas rodopiam, marcham, brincam de pique. Vênus nasce e morre todas as noites; cometas surgem e desaparecem, estrelas cadentes riscam o céu como um traço de giz que se evanesce. O olho da Lua brilha como uma pupila amarelo-prateada no céu, ou cerra lentamente as pálpebras como se adormecesse fatigada após semanas de vigília.

A vida dos homenzinhos é tão curta, perto destes mundos aparentemente eternos… e no entanto tão cíclica e finita quanto a deles. “Sois poeira de estrelas”… sim, cada átomo de nosso corpo não nasceu aqui, entre a grama ou a lama da Terra. Cada partícula do carbono ou hidrogênio que te forma foi forjada na fornalha do Sol ou de uma outra estrela muito distante daqui. Talvez tenham, estes teus átomos e os meus, nascido no mesmo berçário cósmico; ou não, pouco importa. De repente, tua matéria e a minha se chocam, colidem com uma troca de substância que nos muda para sempre, tal qual a Terra atingida por um astro errante que lhe arrancou a Lua.

Num espaço tão imenso, cheio de vácuo e de asteróides errantes, a nossa órbita irregular cruzou duas vezes… a primeira foi um raspão, um perigoso e inadvertido escorregão celeste que marcou muito mais o meu planeta que o teu. Feito duas bolas de bilhar que se chocam, a colisão nos arremessou para galáxias tão distantes uma da outra como podem ser os destinos destas vidinhas humanas. Meus astrônomos, coitados, por anos e anos buscaram sinais de tua existência, da rota improvável a que a gravidade de outros astros te havia imposto. Como os cometas da antiguidade, te tornaste uma lenda, um ícone gravado na memória de retorno improvável e incerto.

Sim, pois não é a estrela mais distante a que mais fascina…?

Enfim, sem que houvesse sequer um aviso destes astrônomos displicentes, te chocaste comigo outra vez… mas a irregularidade indiferente da cosmologia fez com que, desta vez, o choque fosse brusco e magnificente. Tão imponente foi o choque que teu planeta e o meu deixaram de existir, esfacelados numa só massa de asteróides que giravam loucamente, matéria em desalinho que buscava a organização… e de dois mundos imperfeitos, a colisão criou um único astro ainda imaturo, buscando a luz e o equilíbrio.

É equinócio neste nosso mundo novo, ainda cheio de vulcões primitivos e de continentes em formação. Há água, há oxigênio, há o pulsar da aurora boreal em nossos pólos. Hoje o sol brilha igualmente em nossas duas metades, nossas duas individualidades, nossos dois hemisférios que hoje formam um planeta só. Há uma promessa de vida a brotar lenta e decididamente, à procura do solstício de nossos sonhos… buscando violar uma regra cósmica, pretendo girar sempre em louca harmonia e equilíbrio ao redor de nosso Sol, um equinócio eterno de luz por igual para as duas metades, uma busca de mãos unidas pelo ciclo fugidio da felicidade.

Vem comigo pelo firmamento, risquemos nós dois o céu feito um só astro cadente… quem sabe assim a gente aprende a ser feliz.

Esse post foi publicado em Outras, Poemas, contos e crônicas. Bookmark o link permanente.

Deixe um comentário